Varanda com vista sobre a cidade
Queria ter escrito sem parar, todas as horas da minha existência num passado recente. O vento entrou na minha vida e mudou de rumo a cada instante dos meus dias.
Eu queria. Queria ter sonhado por entre as gotas de tinta de uma caneta quase extinta, como que num fogo apagado pela coragem de quem arrisca o destino por cada sopro de vida, cada coração que não pode parar de bater.
Queria ter ficado. Queria ter parado no tempo e implorado à linha do horizonte que o céu e o mar se beijassem a cada por de sol. Queria ter adormecido, submersa, e através das águas cálidas de um oceano sereno ver o céu tornar-se azul a cada alvorada.
Queria ter alcançado as estrelas como outrora, transformar-me em pássaro, ter asas púrpura de veludo, rosto de lobo, alma cigana, coração de aço e tocar a nuvem mais branca e doce.
Queria ter permanecido assim, como sempre fora. Rebelde, sempre rebelde, com sede de liberdade, com urgência de soltar o grito escondido que trago bem preso no ventre. Com vontade de lutar e vencer ou sair vencida, mas lutar sempre e até sempre. Ser eu, sem medo de demonstrar quem fui, quem sou, o que sei e o que não sei, quem gostaria de ser. Simplesmente genuína e cheia daquela vontade desmedida de viver em passos de dança até voar.
Tudo em mim é imensurável. O meu amor, o meu saudosismo, a minha rebeldia, a minha força, a minha vontade de abraçar. A minha capacidade para sonhar acordada e acreditar, para depois desacreditar. É assim que sou.
E lá, na varanda com vista sobre a cidade, observei as luzes que se acenderam no ocaso, admirei a beleza que delas nasceu ao formarem-se depois do crepúsculo. Avistei silhuetas ao longe que passeavam, carros que circulavam devagar num silêncio quebrado pelo canto de uma cigarra que surgiu numa noite quente.
Eu queria ter escrito cada momento. Queria ter escrito sem parar. Conseguir descrever na perfeição a dor de um coração rasgado e, ao mesmo tempo, o brilho de um olhar que agradece o privilégio do despertar a cada manhã. Queria descrever em pormenor o momento em que o sol entrou para me abraçar, qual alma vazia que se preencheu por instantes numa noite qualquer, igual a tantas outras.
Obrigada a quem faz parte da minha vida e a quem compreendeu a minha ausência.