Máscaras de vida
(Palavras para uma imagem)
Sara era executiva numa empresa da área de publicidade localizada numa agradável cidade provinciana. Bem sucedida na vida, morava numa imponente vivenda primorosamente decorada e com um amplo espaço verde no exterior, onde predominavam árvores de frutos variados em volta de uma aprazível piscina.
Logo pela manhã e depois de um duche para despertar, tinha por hábito tomar um delicioso pequeno almoço e preparar-se minuciosamente para mais um dia de trabalho.
Bonita e sempre vestida com um bom gosto invulgar mas discreto, a sua postura social era perfeita. Constantemente em reuniões de negócios, encantava os presentes com discursos inteligentes e persuasivos.
Ao final do dia, aquando da sua chegada a casa, tinha sempre o jantar preparado pela empregada doméstica, mulher de sua inteira confiança. A mesa de refeições encontrava-se diariamente bem ornamentada, onde lhe eram servidos cozinhados tentadores.
No fim da refeição, Sara subia até ao quarto sito no primeiro andar da casa. O jacuzzi colocado no meio da espaçosa casa de banho privativa era o seu local preferido para relaxar de um dia repleto de responsabilidades.
Naquela noite fria de Dezembro e depois de aliviada a tensão profissional através de um longo banho com sais perfumados, abriu o roupeiro com um espaço desmedido onde se encontravam, de um lado os seus conjuntos clássicos de muito bom gosto e do outro vestidos ousados e com cores berrantes, próprios para noites de luxúria excessiva.
Escolheu o encarnado, bem decotado e curto, que fazia sobressair as sua longas e bem delineadas pernas. Optou por umas botas pretas de cano e tacão exageradamente altos, que calçou por cima de umas meias rendilhadas em tons vermelho e preto.
Sentou-se frente ao espelho situado a um dos cantos do quarto e colocou uma longa cabeleira loura. Alongou as pestanas com rímel preto, cobriu as pálpebras com sombras lilás e azul e pintou os lábios de vermelho vivo. Finalmente, colocou umas unhas postiças encarnadas e compridas.
O telefone tocou por diversas vezes, mas Sara não atendeu. Do lado de lá, alguém deixou uma mensagem no voice mail:
'Olá, Sara. É o Miguel. Calculo que não possas atender, porque provavelmente tiveste mais uma reunião de negócios pós laboral. Não achas que andas a trabalhar demais? Escuta... almoçamos amanhã? Beijo'.
Sara desceu a escadaria imponente e parou no hall de entrada, vestiu o casaco de pele preto e saiu de casa. Dirigiu-se à garagem onde estavam estacionados dois carros, um que costumava levar para o emprego e outro que utilizava para se deslocar pela noite dentro.
Conduziu até àquela cidade que ficava a bastantes quilómetros de sua casa e estacionou na avenida que lhe era totalmente familiar. Andou quinhentos metros e parou no local habitual, onde algumas outras mulheres exibiam os seus corpos seminus e se ofereciam ao primeiro homem abastado que parasse em qualquer veículo luxuoso.
Pouco tempo depois de Sara ter chegado, um carro aproximou-se e estacionou junto ao passeio. Do seu interior, conseguia ver-se apenas uma mão que apontava na sua direcção e Sara caminhou até lá, entrou no carro e disse:
- Sou a Verónica. Conheço uma hospedaria perto daqui. Podemos ir até lá.
- Esta voz é-me familiar...
O homem que se encontrava ao volante olhou para Sara e incrédulo deixou soar um nome.
- Sara...?
- Miguel...? - ela pronunciou o nome dele num tom de voz trémulo.
Sara baixou a cabeça e sem conseguir proferir uma palavra saiu do carro. Miguel arrancou em alta velocidade.
(Texto fictício escrito para a Fábrica de Histórias)