Feiticeiras
Não tinha nome, mas chamavam-lhe Maria.
Durante o dia sentava-se junto à fonte da praça central da aldeia. As pombas poisavam-lhe aos pés ao final da manhã e ela sussurrava como se falasse com elas, enquanto lhes estendia a mão com restos de fruta caídos no chão.
O rosto coberto por um manto branco, apregoava o feitiço e tentava pegar na mão de quem passasse por ela. Ninguém lhe conhecia as feições, apenas a sua voz doce e as mãos enrugadas que sobressaiam do longo vestido que lhe cobria o corpo.
Recolhia-se ao anoitecer. Caminhava bastante até chegar ao seu destino, uma cabana feita de ébano escondida no bosque.
No seu interior, sombras femininas sentadas à volta da mesa falavam em tom de voz vinda do além e uniam as mãos invisíveis. Uma bola de cristal centrava os seus olhares vagos. Cruzavam-se murmúrios no silêncio da noite e os fantasmas batiam à porta.
Por entre a magia, pedaços de vida juntavam-se expostos em cima da mesa redonda. Bisavós, avós, mães, filhas, netas e bisnetas geradas pela vida, destinos cruzados pelo sabor do tempo. Famílias construídas de batalhas de glória pelo suor transbordado de amor e dedicação.
Acima da mesa, mulheres vestidas de negro deambulavam os corpos numa encruzilhada. Às costas, sacos carregados de lições de vida. Trabalhos árduos, abandonos, solidões. Filhos ensinados e acarinhados, antepassados amados sem qualquer condição.
Maria sentou-se no lugar vazio e ergueu os braços, fechou os olhos e deixou soltar um gemido. Sentiu a presença de quem já partira, cúmplice da sua libertação. Um sopro vindo de perto foi de encontro ao seu rosto.
Levantou-se, arrumou o lar e banhou-se na tina. Deitou-se no leito e adormeceu com a lua cheia a iluminar-lhe o rosto fatigado.
No dia seguinte Maria despertou, entregou-se às lides da casa e vagueou em direcção à aldeia. Sentou-se junto à fonte sob o sol que aquecia a praça. As pessoas passavam como em outro dia qualquer.
Uma mão tocou-lhe no ombro e Maria sentiu-se levar para outro lugar.
Uma pomba veio ao final da manhã e poisou na fonte. No chão, o manto branco marcava a ausência de uma feiticeira sem nome.
(Texto fictício escrito para a Fábrica de Histórias)