Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista
Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista
A tua filha visitou-me ontem. Já não nos víamos há longos anos e pareceu-me razoavelmente bem. Refeita da dor pela tua perda, trazia consigo um suave sorriso no rosto. Deu-me um abraço longo e apertado. Olhámo-nos em silêncio durante largos minutos.
É parecida contigo e está mais bonita do que nunca. Está prestes a entrar nos cinquenta, mas aquele aparelho rejuvenescedor que comprou há uns tempos devolveu-lhe uns bons anos de vida.
Sentámo-nos a conversar sobre o passado e o presente durante horas infindas. O futuro ficou por falar.
O mundo está diferente, muito diferente.
A natureza mudou de cor e o sol já não brilha. O verde transformou-se em cinzento e o branco ficou preto. Os rios secaram e a areia da praia desapareceu. Sentamo-nos no passeio da avenida para ver um mar que já não é azul. Já não há nascer nem por de sol e o vento sopra mais forte todos os dias.
As casas não têm janelas e as portas são blindadas. Parecem naves espaciais. Os utensílios domésticos foram substituídos por autómatos.
As pessoas têm medo de sair à rua e levam consigo uma arma de defesa quando saem para o emprego que escasseia a cada dia. Vivem dos rendimentos conseguidos ao longo dos anos e assim vão comprando máquinas e mais máquinas.
Os carros foram substituídos por avionetas de alta categoria e o trânsito na estrada diminuiu. A toda a hora se vêem pequenos aviões no ar a deslocarem-se de um lado para o outro. Os frequentes acidentes rodoviários deram lugar a acidentes aéreos.
Os pobres estão cada vez mais pobres, vivem na extrema miséria. Os ricos têm fortunas avultadas e os razoavelmente bem na vida conseguem obter, tardiamente, aparelhos e acessórios de alta tecnologia como uma ajuda preciosa para o dia a dia.
As guerras entre os povos continuam. A ganância sobrepõe-se aos valores, como sempre foi. Isso não mudou. É a ausência repugnante da razão e da justiça.
E o planeta estremece.
É este o mundo que temos hoje. Avançado por um lado, retrógrado por outro. O avanço desmedido derrubou a natureza e tudo perdeu o seu brilho. A ambição levada ao extremo abalou as nossas vidas.
Tenho saudades dos tempos em que tudo era normal apesar de que, nessa altura, o mundo já começava a entrar num desequilíbrio total.
As minhas pernas estão cansadas, mas a minha sanidade mental mantém-se e ainda consigo escrever com a minha letra certinha e arredondada. Sabes que já ninguém escreve à mão?
Está na hora de finalizar este manuscrito. Vou enviar-to por um anjo.
Acreditas que o meu coração ainda bate por ti? Já ninguém ama assim, porque os sentimentos também mudaram. As pessoas estão frias e já não há gestos de ternura.
Lembras-te quando nos vimos pela última vez? Foi há uma vida, mas nesse tempo o sol ainda brilhava. Apesar dos nossos desencontros, havia luz. Agora, é tudo tão sombrio.
As notícias dizem diariamente que o mundo está prestes a acabar.
Calculo que no lugar onde te encontras o ar seja ameno e o ambiente sereno.
Ainda esperas por mim? Tenho tanto para te contar.
Tua até sempre.
Laura"
Levantou-se com dificuldade nos seus noventa e um anos e, apoiada na sua bengala, dirigiu-se ao quarto. Deitou-se na cama e fechou os olhos num sorriso de saudade. Deu um beijo à carta que escrevera e apertou-a de encontro ao peito.
Lá fora, um ruído ensurdecedor no ar e um silêncio assustador em terra. As ruas estavam desertas e o céu não tinha lua.
Acenou sem sorrisos. Olhei para trás e não vi ninguém.
Lá fora, o sol aquecia o parque de estacionamento.
Vi-o conversar com pessoas encontradas ao acaso. Observei-o através da vidraça sem ninguém perceber. Tive vontade de correr a abraçá-lo, olhá-lo de perto, sentir o seu cheiro, sorrir com ele.
Peguei num cigarro e fui até à porta de entrada num passo apressado. Quando cheguei, estava apenas o lugar que deixou ficar. Foi tudo tão breve.
O vento soprou, uma nuvem vinda do horizonte aproximou-se e o sol ficou pálido.
Fumei o cigarro num gesto voraz e voltei para dentro.
Trago um grito contido bem dentro de mim.
Volto atrás no tempo e cruzam-se as imagens de nós. Ecoam as palavras ditas e as que ficaram por dizer, revejo o que fomos e o que não chegámos a ser. Torno a imaginar o que poderíamos ter sido.
Aperta a saudade mas o telefone não toca. Permaneço à espera, envolta neste silêncio que persiste em ficar.
Este dia tem pouco ou nenhum valor para a minha irmã Guida, porque significa mais um ano vivido e outro a menos por viver. Mas o importante é que estamos aqui e os laços que nos unem não deixam enganar...
As flores do canteiro teimam em desabrochar. A terra insiste em secar depois da rega invernosa. Na flor de laranjeira que brota, poisa uma abelha em busca de néctar. Há um aroma fresco espalhado no ar.
No varão, a roupa estendida esvoaça e enxuga ao sabor da aragem matinal. Abrem-se as janelas de par em par e afastam-se os cortinados para o sol entrar. Arrastam-se móveis, lavam-se paredes, mudam-se as cores do cenário do lar.
Os gatos vadios miam no telhado e lutam por um lugar quente.
Os velhinhos passeiam na avenida e sentam-se nos bancos do jardim das rosas. Enquanto recordam tempos de outrora, crianças brincam no parque e soltam gritos de alegria.
No final da tarde enchem-se as esplanadas, há conversas amenas e lançam-se sorrisos no ar. Preparam-se caminhadas, planeiam-se viagens, fazem-se as malas para passear.
Os patos chapinham nas águas do rio. Esperam pelo pão de quem se debruça para os alimentar.
Os namoros florescem, multiplicam-se os beijos, cresce a vontade de dar e receber.
À noite, trocam-se afectos na pérgula. É tempo de amar.
Tive vontade de abraçá-lo, mas os nossos olhares cruzaram-se e escaparam um do outro. Enquanto estava ali, tão perto de mim, contemplei-o num disfarce veloz na esperança de alcançar um sinal. Por breves instantes acreditei que aquele seria o momento. Mas a frieza aparente repetiu-se e o silêncio triunfou.
De uma luta incessante num passado recente, restou a ausência de alguém que manifestou por palavras o que deixou de demonstrar em gestos.
Ainda hoje lembro com saudade aquele fim de tarde de verão. Consigo escutar a sua voz como se fosse agora: 'Estar aqui é um sonho tornado realidade'.
Recordo o seu olhar raso de água, a lágrima que ficou por cair e me fez chorar. Vem-me à memória a história que inventámos para nós, o que deixámos por viver, a fantasia que criámos e que ficou por cumprir.
Na tentativa de esquecê-lo, sinto a magia do nosso segredo e a falta que me faz.
Encontrei-o ontem. Suspendeu-se a vida e o meu mundo ruiu.
Durante o dia sentava-se junto à fonte da praça central da aldeia. As pombas poisavam-lhe aos pés ao final da manhã e ela sussurrava como se falasse com elas, enquanto lhes estendia a mão com restos de fruta caídos no chão.
O rosto coberto por um manto branco, apregoava o feitiço e tentava pegar na mão de quem passasse por ela. Ninguém lhe conhecia as feições, apenas a sua voz doce e as mãos enrugadas que sobressaiam do longo vestido que lhe cobria o corpo.
Recolhia-se ao anoitecer. Caminhava bastante até chegar ao seu destino, uma cabana feita de ébano escondida no bosque.
No seu interior, sombras femininas sentadas à volta da mesa falavam em tom de voz vinda do além e uniam as mãos invisíveis. Uma bola de cristal centrava os seus olhares vagos. Cruzavam-se murmúrios no silêncio da noite e os fantasmas batiam à porta.
Por entre a magia, pedaços de vida juntavam-se expostos em cima da mesa redonda. Bisavós, avós, mães, filhas, netas e bisnetas geradas pela vida, destinos cruzados pelo sabor do tempo. Famílias construídas de batalhas de glória pelo suor transbordado de amor e dedicação.
Acima da mesa, mulheres vestidas de negro deambulavam os corpos numa encruzilhada. Às costas, sacos carregados de lições de vida. Trabalhos árduos, abandonos, solidões. Filhos ensinados e acarinhados, antepassados amados sem qualquer condição.
Maria sentou-se no lugar vazio e ergueu os braços, fechou os olhos e deixou soltar um gemido. Sentiu a presença de quem já partira, cúmplice da sua libertação. Um sopro vindo de perto foi de encontro ao seu rosto.
Levantou-se, arrumou o lar e banhou-se na tina. Deitou-se no leito e adormeceu com a lua cheia a iluminar-lhe o rosto fatigado.
No dia seguinte Maria despertou, entregou-se às lides da casa e vagueou em direcção à aldeia. Sentou-se junto à fonte sob o sol que aquecia a praça. As pessoas passavam como em outro dia qualquer.
Uma mão tocou-lhe no ombro e Maria sentiu-se levar para outro lugar.
Uma pomba veio ao final da manhã e poisou na fonte. No chão, o manto branco marcava a ausência de uma feiticeira sem nome.
Ora então, toca a dizer a verdade sobre o que foi mencionado no post anterior. E não houve pontaria!
1 - Adoro andar de avião - Mentira. Tenho pavor! Andei uma vez e jurei para nunca mais. A partir do momento em que o avião descolou, fiquei muda até ao fim da viagem que durou uma hora e meia. Ia branca como a cal e tive aquela sensação de quando bebemos uns copos e a coisa corre mal, sabem? E como se não bastasse, no fim de aterrarmos, andei surda durante uma hora por causa da dor de ouvidos com que fiquei à conta da pressão atmosférica.
2 - O meu animal preferido é o chimpanzé - Verdade. Adoro chimpanzés, pura e simplesmente. Só falta falarem.
3 - A polícia nunca me mandou parar o carro - Verdade. Com tantos anos de carta, nunca fui apanhada pela bófia na estrada. Quase inacreditável, mas pura realidade.
4 - Sou alérgica aos gatos - Verdade. E sou mesmo, com muita pena minha. Não posso pegar-lhes ao colo, porque corro o risco de ter um ataque de asma.
5 - Adoro sopa de feijão verde - Mentira. Gosto de sopa, mas não suporto a de feijão verde. Quando o dito feijãozito está a ser cozido, só o cheirinho me dá náuseas. Vá-se lá saber porquê!
6 - Sou louca por sapatos - Mentira. Não gosto de sapatos e não uso. Tão simples quanto isso. Adoro botas e botifarras, ténis e sapatilhas, chinelos e chinelas. Tudo, menos sapatos.
7 - Já estive internada duas vezes no hospital - Verdade. Há seis anos, fiz ruptura do menisco e do ligamento lateral interno e tive de ir à faca. Há dois anos, tive uma infecção respiratória que me atirou para uma cama de hospital. Foi um cagaço e tanto!
8 - Já fui vocalista de uma banda de rock - Verdade. Fui mesmo, quando andava no liceu. Com direito a concerto no ginásio da escola e tudo! Foi uma pilha de nervos desgraçada! De tal forma, que desafinei por tudo quanto era lado e ainda fui gozada pelos meus amigos!
9 - Não me desenrasco na cozinha - Verdade. Sou um autêntico desastre na cozinha! Os ingredientes cruzam-se no ar antes de caírem na panela! Até saltam p'ra cima de mim! Eu assumo. Vergonha? Não tenho.