Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista
Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista
Levanto-me a meio da noite. O sono teima em manter-se afastado.
Sinto-me vaguear pela casa. Há memórias de ti aqui e ali, pedaços de nós marcados no chão que piso descalça, aquele por onde caminhaste um dia.
Lá fora, uma noite de luar. Olho as estrelas e respiro o ar ameno. Está tudo tão sereno. Tento alcançar a lua que vai crescendo ao longe. Conto-lhe histórias, deixo-lhe segredos que guarda no colo.
Do outro lado do mundo, os lobos vagueiam no silêncio de uma noite fria e esperam pela lua cheia que tarda em chegar. Há uivos escondidos na sua alma bravia que insistem em soltar-se.
Queria eu também chamar por ti num grito, qual lobo solitário que clama por uma companheira num gemido incessante.
Medo de não ter tempo. Tempo para viver a minha história, aquela que inventei para mim.
Não tenho medo da solidão, porque nunca estarei completamente só. Há anjos que me envolvem a alma, há uma imensidão de palavras que me rodeiam e vou voando por entre o meu imaginário.
Mas, mesmo assim, por vezes sinto medo. Medo de não conseguir voltar a encontrar-te. Medo de não poder dizer o que está guardado num baú cheio de ti, onde habita a tua imagem, onde mora o que não chegaste a ser.
Mas, às vezes, sinto esperança. Esperança de voltar a ver-te, sentir-te perto, de olhar-te nos olhos, poder tocar o teu rosto, de abraçar-te.
Outras vezes, tudo se desvanece. O medo e a esperança. Deixo de ter medo, mas foge-me a esperança. E embrulho-me num misto de verdade e mentira, numa contradição de ter medo e não ter, de ganhar esperança e perdê-la.
Tantas outras vezes me pergunto o que fomos noutra vida, o que nos separou e o que nos fez reencontrar. E não há respostas, mas existem os sentidos. Sentidos que me fazem acreditar às vezes e, outras vezes, desacreditar.
Por vezes, anseio ir ao teu encontro. Umas vezes, o vento empurra-me para trás e não me deixa prosseguir. Outras vou em direcção a ti mas, quando chego ao teu lugar, acabaste de partir.
Às vezes choro, outras tantas rio. Às vezes falo e outras fico calada. E tantas vezes escrevo para ti, tantas vezes grito por entre palavras vãs. Tantas outras me deixo ficar na dança do meu silêncio.
Tantas vezes, quase todas, perco o tempo a pensar em ti e tantas outras me perco no tempo por um pensamento de ti.
Cruzo-me comigo mesma por entre caminhos assombrados. Em cada um deles uma imagem, um ruído. Percorro espaços estreitos vezes sem fim. Em cada esquina, braços estendidos tentam alcançar-me. Vozes em uníssono fazem soar o meu nome. Risos sarcásticos ouvem-se ao longe, gargalhadas repetidas por entre muros erguidos do vazio. Gritos doentios ecoam sem parar, rostos alucinados cruzam-se à pressa por entre a escuridão. Surgem fantasmas de todos os lados, silhuetas disformes chamam por mim.
Perco o rumo, esqueço a minha identidade. Estradas sem saída, direcções cruzadas por entre o desconhecido. Perco-me do mundo, entro em delírio e atravesso o labirinto repetidamente, sem parar. Uma sombra vinda do nada acena-me num adeus incessante. Não sei quem é, não sei o seu nome.
Paro, exausta. Respiro ofegante e estendo-me no chão frio num completo desvario. Adormeço num sono agitado. Passam as horas, os dias, os meses. Os anos ficam suspensos num passado ignorado. Memórias em branco perdidas aqui e ali, num lugar qualquer que não existe.
O meu corpo esguio mantém-se inerte à espera de luz e silêncio. E o tempo corre veloz.
Muito tempo depois, tanto que não sei quanto, um pedaço de sol desponta por entre as nuvens que ofuscam o labirinto.