Desvarios de Verão
Ele surgiu despido de ausências, vestido de promessas, transbordando desejos incompletos. Veio, envolto em palavras por dizer, a sua pele cheirava a sal, partículas de areia cintilavam no seu corpo ardente como raios de um sol que nunca existira. Deixava transparecer a fantasia das mensagens guardadas para lá dos sonhos, onde tudo era surreal.
Naufragou no repouso absoluto do peito dela, ávido do seu encosto, beberam-se para lá de um crepúsculo estonteante, onde tudo se transforma e nada morre.
Foram para lá das marés, onde a terra cheira a chuva acabada de cair e nas estrelas está escrita a palavra amar. Os seus nomes ficaram gravados na lua que os acolheu, num céu onde o sono não mora e a tristeza é palavra proibida.
Risos e gargalhadas envolveram os momentos que agarraram com medo de que acabassem, mas o tempo parou no instante de um beijo demorado, talvez eterno, as horas deixaram de existir e a terra não voltou a girar.
- Queres voar comigo? Voar para lá do vento, entre o sonho e o que ficou por inventar? Queres descobrir comigo as cores do arco íris e pintar as nossas vidas de aguarela? - perguntou Duarte em palavras repetidas, proferidas por Laura num tempo distante.
Entregaram-se à mais tórrida das paixões, um misto de rubro e púrpura pintou o céu que encobria os dois corpos transpirados de saudade. Ao unirem-se no mais belo cenário de entrega, Duarte transformou-se em pássaro, Laura em sereia, respiraram-se por entre voos e mergulhos num cântico de uma beleza majestosa.
Um manto branco feito de cetim e madrepérola caiu de uma nuvem, cobriu o mar e amparou as ondas agitadas. Deitaram-se sobre ele, deixaram-se levar ao sabor da maresia, conseguiam escutar o bater frenético dos seus corações. Era urgente viverem-se por completo, era urgente amar perdidamente sem qualquer condição.
- Preciso de ti, deixa-me respirar-te, és a minha poesia... - Duarte fechou os olhos, quis adormecer naquele sonho, instante irrepetível do destino, permanecer pássaro até sempre. Quis agarrar aquele feitiço com a força que trazia bem presa às entranhas, aconchegar-se no colo da sereia que encontrara, construir um ninho.
Laura, porém, continha em si fragmentos de uma ilusão passada, pedaços de uma espera inacabada. Não conseguiu aninhá-lo, ondulou para lá dos oceanos, esqueceu-se que tinha coração, encontrou-se ao renascer sem alma numa aldeia de corais e não regressou.
Duarte chorou ao abandono num gemido ininterrupto, o seu lamento estremeceu as nuvens, as estrelas caíram, o sol colidiu com a lua, o céu desabou e o mar invadiu a terra.
Quebrou-se o feitiço. Um pássaro não chora a perda de uma sereia, não aquela que outrora fora ora menina inocente ora mulher sem rumo, que esperou por ele uma vida inteira sem sentido e que acabava, agora, de partir.
As quatro estações deixaram de existir. Ficou apenas a sombra de um último Verão, perdido no tempo, onde o amor e a paixão se juntaram na mais sublime das paisagens, para se perderem de seguida e fazerem desvairar o mundo.
Não ficou ninguém para contar, apenas um corvo esvoaçou durante séculos sobre o que restou da terra, rindo até à eternidade através do seu canto negro, quase poético.
(Texto fictício escrito para a Fábrica de Histórias)