Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista
Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista
Foi uma borboleta que me pediu para te procurar e para, depois de te encontrar, reinventar-te.
Estarás tu nas páginas dos meus livros de cabeceira, que folheio todas as noites antes de sonhar? Serás tu a alma do anjo que me adormece serenamente a cada madrugada? Estarás tu em cada canto desta casa, em cada quadro, em cada imagem, em cada luz? Estarás tu em cada nota de música que ponho a tocar ou serás a tinta a óleo dos pincéis que me fazem pintar todas as telas?
Serás tu cada folha, cada ramo de árvore que foco com doçura sempre que vou ao jardim fotografar? Estarás tu numa pétala de rosa ou serás uma outra flor, das mais belas que contemplo a cada fim de tarde e colho para enfeitar os meus cabelos?
Estarás tu no brilho das estrelas, todas as que olho a cada anoitecer ou serás o sol que nasce resplandecente a cada alvorada? Estarás tu nas gotas da chuva que cai em dias cinzentos ou serás uma das cores do arco-íris?
Serás tu o uivo de um lobo que chora na escuridão pela ânsia de correr nas florestas ou serás o canto de uma andorinha que chama por manhãs primaveris?
Se assim for, se estiveres em todos os lugares e fores todas as coisas que estão vivas e eu puder escolher, meu amor, quero procurar-te no mais alto das montanhas, encontrar-te nas asas de um pássaro e contigo reinventar as nossas almas.
Quando subires aos céus e chegares às estrelas, perto do sol e da lua, quero estar a teu lado para, finalmente, renascer.
Hoje a minha alma jaz na velha casa em ruínas, outrora nossa, o meu corpo vagueia pelas ombreiras das portas. As janelas batem nos parapeitos com o vento que sopra voraz, das prateleiras empoeiradas caem os livros antigos que lemos, são iguais às nossas vidas. Há folhas que se soltam do diário da nossa história, espalham-se pelo chão que range a cada passo que dou. É como as horas dos dias que nos pertenceram, perderam-se num momento intemporal.
E eu abandono-me. Abandono-me silenciosamente, fujo do passado em direcção incerta, alcanço o barco onde navegámos sem rumo e que morre agora em terra firme depois da procura de um rio que corre turvo. Não consigo tocar nas suas águas, parecem bolas de neve que se desfazem ao passar.
Recuso-me respirar, suspiro como que pela última vez, sinto-me perto do que não cheguei a conquistar. Onde ficaste, alma que se perdeu por atalhos obscuros, em estradas sem saída? Até no final se repete o desencontro, o nosso, como duas sombras que se cruzam, desconhecidas.
Apagam-se as luzes, desvanecem as cores, tudo se torna escuro e tu ficas fantasma da velha casa. Eu, parto solitária no instante em que te esqueço e caminho numa nuvem que desceu à terra.