Palavras para uma imagem - A torre de babel
A Torre de Babel (1563), Pieter Bruegel
Um dia, quero morrer contigo.
Quando subires aos céus e chegares às estrelas, perto do sol e da lua, quero estar a teu lado para, finalmente, renascer.
Hoje a minha alma jaz no velho castelo assombrado, outrora nosso, o meu corpo vagueia pelas ombreiras das portas. As janelas batem nos parapeitos com o vento que sopra voraz, das prateleiras empoeiradas caem os livros antigos que lemos, são iguais às nossas vidas. Há folhas que se soltam do diário da nossa história, espalham-se pelo chão que range a cada passo que dou, esvoaçam por entre as vidraças quebradas pelas correrias do tempo. São como as horas dos dias que nos pertenceram, perderam-se num momento intemporal.
E eu abandono-me. Abandono-me silenciosamente, fujo do passado em direcção incerta, alcanço o barco onde navegámos sem rumo e que morre agora em terra firme depois da procura de um rio que corre turvo. Não consigo tocar nas suas águas, parecem névoas que evaporam ao passar.
Quis devorar o mundo, a terra e os céus. Quis aniquilar este amor, esta paixão (sei lá) e renascer das cinzas. Deixei de saber quem sou e onde pertenço, perdi-me na turbulência dos sentidos e fugi de ti, de todos e de mim. Somos tão diferentes.
O sonho ruiu, o meu, de mim, de ti, de nós. Desmoronou-se o nosso castelo, como se fosse de areia a desfazer-se na maré vaza. E eu, em que me transformei? Em sombra, apenas em sombra.
Refugiada numa torre em ruínas recuso-me respirar, suspiro como que pela última vez, sinto-me perto do que não cheguei a conquistar. Onde ficaste, alma que se perdeu pelas veredas em redor da torre, em atalhos obscuros sem saída? Até no final se repete o desencontro, o nosso, como dois espíritos desconhecidos que se cruzam nas brumas de um labirinto.
Apagam-se as luzes, desvanecem as cores, tudo se torna escuro e tu ficas fantasma do velho castelo. Eu, parto solitária pelas neblinas no instante em que te esqueço e caminho numa nuvem que desceu à terra.
Toco o céu, beijo uma estrela e abraço um anjo num murmúrio:
- Por enquanto, estou viva. A torre caiu.
(História construída a partir de textos escritos anteriormente, agora alterados e adaptados para a Fábrica de Histórias)