Palavras para uma imagem - Salão de Baile
Moulin de la Galette (1889), Toulouse-Lautrec
Os sonhos morreram.
Como se o mundo acabasse no instante, como se o céu caísse sobre os campos e as nuvens flutuassem nos rios. Como se o sol empalidecesse e chorasse, queimando as árvores que crescem e as flores que nascem, secando as águas que correm devagar.
Como se parassem os relógios, terminassem as tardes e as noites surgissem nas manhãs. Como se já não houvesse lua e o chão mergulhasse numa sombra.
Como morrem as palavras. Como se as letras fugissem, desordenadas, dos livros em branco pelas histórias esquecidas. Como se os olhos já não lessem e as mãos já não tocassem nas páginas que ficaram.
Como se os bosques encantados perdessem a magia e as florestas se despissem pelo cessar da vida. Como se os lobos deixassem de uivar e os pássaros ficassem sem asas para voar.
O meu sonho morreu.
Como se os anjos despertassem sobre a terra, como se o luto mudasse de cor e os homens se vestissem de branco. Como se o destino fosse interrompido e os fantasmas dominassem o universo.
Resta-me dançar, de alma pequena mas de corpo inteiro. Como se dançasse num salão de baile, onde as gentes se escondem num atropelo para escapar aos dias mortos. Sucumbem, por entre conversas de silêncio inacabadas e passos de dança frenéticos. E bailam, bailam até ao fim das horas, de olhar vago e sem sorrisos porque a vida fugiu com os sonhos apagados.
Com o meu sonho morreu a minha alma, mas também eu dançarei sofregamente até que o meu corpo tombe e adormeça.
(Texto escrito para a Fábrica de Histórias)