Palavras que se prendem
Não sei desprender as palavras. Não sei como fazê-las voar.
A minha imaginação perde-se na turbulência dos sentidos e as asas caem.
Quero escrever, escrever sofregamente, ondular as letras e deixá-las poisar nas páginas do meu livro branco, gastas pelo tempo.
Não consigo preencher este vazio. Preciso mergulhar nos rios da memória e emergir com versos cristalinos nas mãos, no corpo e na alma.
Não sei viver sem as histórias que inventei, sem os lugares misteriosos que desenhei, sem as personagens que criei e a quem dei vida.
Preciso de bosques e florestas, de cabanas e castelos, de fadas e feiticeiros. Preciso de árvores e flores campestres, de esconderijos e labirintos, de anjos e pássaros.
Preciso do silêncio que a doçura da fantasia me transporta. Preciso de magia.
A praia está para lá da serra que olho a cada fim de tarde. Não oiço o murmúrio do mar nas madrugadas e a minha inspiração desvanece. Desmaia o brilho das estrelas, a lua não é de prata e o céu já não tem mil cores.
Escapa-se a caneta por entre os meus dedos e deixo de ver a linha do horizonte. Tremo na perda de um sol rubro que se põe.
Preciso de areia nos pés, de água salgada na pele e de ondas nos meus cabelos para libertar as palavras.
Fica uma concha pintada na baía onde cabem todos os segredos e nenhum desperta.
Há uma gaivota que geme e sussurra tempestade. Quero viajar no seu embalo, enroscar-me no seu colo com as letras que trago.
Mas morro no cais, como uma pedra da calçada que se solta com o tumulto do vento norte.
As palavras? Morrem comigo, bem presas à minha alma.