À minha avó, da praia
Vazio. É o que sinto. Um vazio desmedido que me preenche.
Estranha confissão controversa. Como pode um vazio preencher o que quer que seja.
A praia está deserta, a baía pinta-se de azul celeste e o comboio de passeio circula devagar na marginal. O sol vai tentando despertar, por entre as gotas de chuva que vão caindo docemente na calçada e refrescam o meu corpo quente, pelos dias soalheiros que acabaram.
Não há pegadas na areia, está agora escurecida pela traição das nuvens que aclaram a velha vila. O cheiro a terra molhada apazigua a minha alma adormecida pela frescura das marés.
Há uma música suave na erma esplanada e as pessoas passam num silêncio absoluto, como que a rogar pelo sol nos céus. Sinto-me serena e vou soltando palavras no meu livro de viagens, onde os rascunhos se espalham pelas páginas em branco que já não são.
E escrevo. Escrevo sofregamente para esquecer os dias mortos. É a morte dos relógios, do fim das horas dos dias e dos segundos que se completam com os minutos que se foram. Pararam na demora das areias. Quem dera que se enterrassem para sempre.
E vagueio. Vagueio no tempo como se fosse o princípio do fim ou, simplesmente, acabasse na simplicidade dos fins de tarde. Caminho sobre o areia junto ao mar, admiro uma paisagem outrora nunca vista e sinto o ar ameno de um sublime cair de noite. E choro no silêncio da beleza do instante, choro na perda do que ainda não sei.
Quero chegar às dunas ali perto, mas estão longe dos meus passos lentos. Quero subi-las a correr no escuro e descê-las na alegria de voltar.
Mas tenho de regressar.
E volto. Volto no desejo sedento dos sorrisos, na avidez do rasgar dos lábios da minha avó, de beijá-la sem parar e beber o azul dos seus olhos que reclamam paz eterna.
23 de Junho de 2014