A máquina de escrever do meu avô
Andámos com obras lá em casa e a minha mãe aproveitou para fazer uma limpeza profunda ao sótão. Lembrei-me, então, de pedir-lhe para ficar com a antiga máquina de escrever que era do meu avô, uma vez que está parada há décadas e arrecadada num armário. Disse-me que sim e fiquei feliz da vida, imaginando-a imediatamente na minha sala como uma peça preciosa de decoração. Mas nunca pensei que ainda escrevesse.
Tantas saudades de teclar na velha máquina quando era adolescente. Nela escrevi livros de aventuras que encadernei e ainda guardo, pensamentos soltos que fechei numa gaveta. E não é que ainda funciona? Sensação fantástica. O som das teclas na ponta dos dedos, a folha de papel a rodar no rolo, até o mudar de parágrafo é algo único. Voltei atrás no tempo com uma intensidade gigante.
Ei-la. Uma Erika alemã de 1943.
Para (re)estreá-la escolhi uma frase de um texto que escrevi há tempos e se adapta ao que a minha alma sente no momento:
'Dizem que as pedras da calçada também choram na queda dos beijos que ficaram por dar e que a terra, quando está molhada, estremece na poeira densa e quente, quem dera que adormeça na despedida dos pássaros que voltaram a voar e a lua desperte nas bermas das avenidas assombradas.'