Encontro desencontrado
A campainha tocou naquele fim de tarde de Julho. Laura abriu a porta e Duarte entrou. Olharam-se durante breves instantes e acabaram num abraço de saudade, longo e apertado.
- Que linda.. - disse Duarte numa expressão ternurenta.
- Obrigada - respondeu Laura.
- A casa... mas tu também... - retorquiu Duarte com aquele sorriso matreiro que lhe era peculiar.
Laura acompanhou-o até à sala e sentou-se. Parecia manifestar uma certa timidez mas, ao encostar-se comodamente no sofá, começou a declarar a razão da sua visita.
- Estar aqui é um sonho tornado realidade.
- É verdade o que me dizes ou brincas, como sempre o fizeste?
- Preciso dizer-te a verdade. Fazes ideia de quanto tempo esperei por este momento?
- Não calculo e não consigo sequer imaginar. Este momento parece-me surreal. Mas fala, então.
- Sabes que há muitos anos, era eu miúdo, achei-te linda quando te vi pela primeira vez. E o meu coração bateu.
- Apesar de me parecer impossível, é quase inacreditável que só mo digas agora.
- Naquela tarde estava sol. Recordo-me como se fosse hoje. Estava sentado numa mesa da esplanada da praça... aquela que costumavas frequentar...
- Lembro-me que ia sempre a essa esplanada nos fins de tarde...
- Tu chegaste, alegre e descontraída como sempre, acompanhada de uns amigos que eu também conhecia. Aproximaste-te e sentaste-te.
- É natural. Sempre fui assim, bem disposta. E disse boa tarde com certeza. Digo sempre.
- Disseste. Mas não olhaste para mim. Nunca olhaste.
- É provável. Eras mais novo.
- Sim, era novo e idiota como os miúdos daquela idade. Tu, mais velha e madura, como poderias olhar para mim?
- Tens razão. Não olhei para ti. Não naquela altura. Mas uns anos mais tarde, não me foste indiferente.
- Já lá vão alguns anos, sim. Mas sempre que me aproximava, tu fugias.
- Verdade seja dita. Eu fugia mesmo. Porque quando te encontrei ao fim de tanto tempo e te vi a sorrir para mim, o meu coração bateu mais forte.
- E que razão era essa que te fazia fugir de mim?
- A minha razão. Afastar-me de ti seria a melhor atitude para contrariar o sentimento que começava a germinar dentro de mim...
- Sabes, já passaram muitos anos depois daquela tarde. E outros tantos depois do nosso reencontro. Agora, sou aquilo que vês e já não tenho tempo...
- E eu sou aquilo que sempre fui, apesar das mágoas que foram surgindo ao longo do meu percurso.
- E o destino mudou o rumo à minha vida.
- Não alterou apenas o rumo da tua vida. O destino desviou os nossos caminhos. Existe alguma força superior que não quer que nos juntemos. Lamento por ti, lamento por mim. Lamento por nós.
- Eu também. Muito mesmo.
- És feliz, por acaso? - perguntou Laura sem pensar.
- Tento ser.
- Desculpa dizer-te, mas se tentas ser é porque não o és. Não na sua verdadeira essência.
- Tenho alturas em que sou.
- Tens momentos, o que é demasiado importante. Posso, então, confessar-te uma coisa?
- Sim, podes e deves.
- Foste o meu príncipe encantado. Terias sido até sempre. Foste o homem que quis para ficar a meu lado. Mas transformaste-te num sapo - soltei um riso suave.
- Se pudesse, mudava-me hoje mesmo para aqui, mesmo sendo um sapo - sorriste.
- Nunca. Não quero partilhar o meu espaço com ninguém. As relações saudáveis já não existem. O namoro é mais duradouro, aquele em que cada um vive na sua própria casa.
- Mas estar aqui contigo faz-me esquecer o mundo lá fora. Se bem que agora é tarde.
- Posso perguntar-te porque é que não lutaste por mim, já que o que sentias era assim tão imenso?
- Porque sabia que iria ser em vão.
- Nada é em vão. Há que tentar conquistar quem para nós é deveras importante.
- Não conseguiria. Como já disse, nem para mim olhavas. Eu para ti não existia.
- Disseste há pouco que agora é tarde. Mas nunca é. Não para tentar recuperar o que se perdeu. Não para se ser feliz. Mas, neste caso, até és capaz de ter razão. Provavelmente, é mesmo muito tarde.
- Sim, o nosso encontro chegou a más horas e nada entre nós vai ser possível.
- Sensato da tua parte. Além disso, a nossa diferença de idades é grande e depois eu ficava velhinha. Já tu... - Laura brincou com uma tristeza no sorrir.
- Poderias até ter setenta anos, que eu iria sentir por ti a mesma coisa... - disse Duarte com uma lágrima no olhar.
- Sempre gostaste de brincar - disse Laura com um nó na garganta.
- Não chores agora, por favor - pediu Duarte, com um sorriso triste.
- Não...
- Eu tinha de dizer-te tudo isto, fosse em que altura fosse e em que dia fosse. E foi hoje.
- Mas porquê tantos desencontros? Temos estado tão perto um do outro e ao mesmo tempo tão longe. Porque é que a vida é tão cruel?
- Não sei.
- Podíamos ter ficado juntos. Podíamos ter sido felizes...
- Podíamos, dizes bem. Porque eu não tenho nada para te dar...
- ... - Laura não conseguiu proferir uma palavra.
- Tenho de ir trabalhar. A minha hora de jantar já terminou. - disse Duarte ao olhar para o relógio.
- Mas não jantaste...
- Tinha de falar contigo. E poderia não ter tempo noutro dia qualquer.
- Já vais, então..
- Sim...
Laura acompanhou-o até à porta e o seu abraço repetiu-se, desta vez menos longo e mais suave. Ao vê-lo sair teve a certeza de que, depois de tantos desencontros entre ele e ela, um encontro como aquele não voltaria a repetir-se.
(Texto fictício escrito para a Fábrica de Histórias)