Um dia, quando...
Um dia, quando o céu chorar e os anjos caírem eu quero estar lá, bem perto do infinito, para apanhar uma estrela e guardá-la junto à chave que encerrou a minha história.
Um dia, quando se calarem todas as vozes do mundo eu quero estar lá, nos lugares que foram meus, para gritar cada palavra que inventei para o meu último capítulo.
Um dia, quando pararem todos os relógios e o tempo ficar suspenso eu quero estar lá, no vazio das épocas, para suavizar o peso dos anos apressados e a contagem dos dias mortos.
Um dia, quando se aproximarem do fim todas as coisas eu quero estar lá, no princípio do mistério de tudo, onde se erguem as derrotas e das ruínas se elevam vitórias.
Um dia, quando a vida se fundir no silêncio e a morte se cruzar com o sonho eu quero estar lá, no meio das sombras que vagueiam, para submergir nas utopias.
Um dia, quando os lobos uivarem para lá das cidades e um corvo vier, de onde moram os poetas já sem vida, com uma carta escondida na asa assinada por mim, significa que morri.
E nesse dia, quando eu morrer, não quero lágrimas nem luto.
Quero que as almas que ficarem do que restou da glória me lancem em mar alto num verso branco, lá, onde segredo nenhum é desvendado e tudo se transforma em poesia.
E ao longe, bem distante, quero escutar o cântico de um bando de gaivotas a sobrevoar as dunas, no mais sublime sinal de liberdade.