Post-Scriptum
...
Mais ninguém conseguirá preencher o lugar que te pertence. Adoro-te a ti.
Tua até sempre.
Laura
P.S. Fechei, há algumas horas, o envelope onde ficou guardada esta carta que escrevi em Dezembro de há dois anos. Quis pô-la na caixa de correio mas evitei, talvez porque te reencontrei ontem e senti que não são apenas aquelas as palavras que queria deixar-te. Algo me deteve porque há mais, muito mais, e é tanto o que quero dizer-te que a caneta treme na minha mão, por entre os dedos que nunca ousaram tocar-te diante das multidões.
Queria escrever-te mais uma carta, uma outra que não esta, mas prefiro acrescentar em post-scriptum o que o meu coração dita e como dança a minha alma mas, desta vez, sem falar de corações destroçados, de sentimentos desencontrados. Queria escrever-te uma carta, sim, mas diferente, construída de palavras doces e coloridas, sem mágoas nem lágrimas.
Não quero contos sobre confissões do que senti por ti, dos gritos silenciosos de um amor que durou demasiado tempo, tanto que não sei quanto. Não quero histórias que ficaram entre o partir e o ficar, sem princípio, meio e fim.
Sabes? Gostaria de falar-te de outras coisas. De sonhos, de desejos, de fantasias que foram preenchendo as horas dos meus dias.
Gostaria de falar-te da beleza que ficou por descobrir, dos passeios que ficaram por concretizar, do tanto que tivemos por inventar, das coisas mais simples da vida que deixámos por partilhar.
Queria dizer-te, até, que poderíamos ter alcançado o inatingível. Sabes que através dos sonhos tudo se torna possível? O nosso imaginário consegue chegar até onde a nossa alma nos levar. E tudo se torna tão bonito.
Posso contar-te que, juntos, já caminhámos à beira mar numa praia deserta, contemplámos o por de sol num fim de tarde de verão sentados na areia. Mergulhámos, lado a lado, numa onda branca e conseguimos tocar os mais belos corais no fundo do mar. Depois de admirarmos um mundo de mil cores onde conseguimos absorver o irrespirável, nadámos encostados um ao outro até à superfície dos oceanos. Para lá das águas cristalinas, sentimos o sol de um dia acabado de nascer que encheu de luz o nosso o rosto.
Lembras-te da nossa dança na praia? Aquela que ficou por inventar? Conseguimos ondular os nossos corpos e enlaçámo-nos numa agitação lenta dos sentidos. Em redor de nós, a melodia do mar cruzou-se com o cântico das gaivotas e, antes de partirmos, desenhámos o nosso nome na areia. Sabes? Ainda sinto o sabor a sal que ficou na nossa pele.
Juntos, percorremos estradas limpas e frescas, caminhámos de mãos dadas devagar por entre montes e vales, subimos colinas, saltámos nas pradarias. No final, descansámos abraçados debaixo de uma árvore no bosque secreto que guardou os nossos beijos. Consegues sentir o aroma das flores campestres? Tenho uma guardada nas páginas do livro que escrevi para ti.
Gostaria de falar-te do quanto acreditei que tudo poderia ser possível. Da esperança de ver-te chegar com uma rosa vermelha na mão e um brilho no olhar. Dos teus braços abertos para me levarem até ao mais alto dos rochedos e, de lá, admirar contigo a mais sublime das paisagens. Das semanas a viver-te por completo, dos meses de partilha, dos anos a teu lado com sorrisos.
Queria pegar nas palavras que te escrevi e declamar-tas num poema eterno. Queria recitar-te, num cenário de neve a cair numa noite de Dezembro, o que a minha alma viveu por nós.
Gostaria finalmente de confessar-te neste meu post-scriptum que, ao reencontrar-te, senti confiança. Era isso que queria dizer-te, mas perdi-me na fantasia das palavras e deixei-me levar pelo sonho.
Fica a última parte, a essencial e que pretendo fazer chegar até ti num manifesto impetuoso, pela injustiça angustiante do que nos foi destinado. É a declaração da coragem que sinto emergir do mais fundo do meu ser e me rasga as entranhas. Coragem para gastar a minha voz num grito e exclamar, de coração aberto, que renasceu a minha capacidade de lutar. Lutar, mas desta vez, por mim. Porque agora, mais do que nunca, quero recuperar a minha liberdade. A de ser feliz.
Concedes-me esse direito?
Laura
(Texto escrito em 9 de Dezembro de 2009, agora alterado e adaptado para a Fábrica de Histórias)