Alma Gémea
Desperto de um passado adormecido, sinto na pele um arrepio que se aproxima de mansinho e bate na minha alma docemente. Volto a fechar os olhos, vejo-te a ti e a mim e o nosso mundo ergue-se dos anos perdidos que caíram e renasce.
Vi-te chegar no regresso dos ventos por entre as folhas espalhadas pelo chão, trazidas por um Outono prestes a morrer. Os ramos das árvores tocavam o solo, lembro-me que disseste o quanto gostavas do cheiro a terra molhada e esboçaste um sorriso genuíno, aquele que dá vida ao fim de todas as coisas. Colheste a flor de laranjeira germinada no interior da tulipa vermelha que cultivámos na nossa última Primavera e enfeitaste o meu cabelo no gesto mais ternurento que alguma vez senti.
Vindas de outras estações esvoaçaram borboletas em torno de nós, pousaram nas tuas mãos devagarinho, nas tuas mãos, sim, que tremiam de saudade e foram ao encontro do meu rosto no mais belo resgate de um beijo. Amo-te, disseste, e escreveste essa palavra repetida no tronco da árvore mais robusta do bosque, desenhaste-a na sua raiz de uma forma magistral e sussurraste ao meu ouvido numa respiração suave: Fazemos parte deste bosque e esta é a nossa árvore.
Depois da chuva despontou o sol, era de um rubro tão intenso que mudou a estação e tornou-se Verão. E ali, longe do Inverno agreste que assombrava para lá do nosso bosque, alimentámo-nos dos frutos que brotaram das palavras que declamaste sob os galhos e do silêncio do poema que me ofereceste. Num abraço aquecemo-nos nas flores que desabrocharam fora de tempo, eram mais belas do que as do mês de Março. Acácias e amores-perfeitos, camélias e cravos, crisântemos e dálias, girassóis e orquídeas. Lembras-te?
E assim imortalizámos o nosso amor, transformámo-nos em pássaro, apenas num, levámos nas asas a semente de tudo o que foi nosso, a tulipa vermelha e a sua flor de laranjeira, e voámos em liberdade através dos tempos.
(Texto escrito em 18 de Dezembro de 2010, agora adaptado para a Fábrica de Histórias)