Memórias de Primavera
Lembro-me, lembro-me, oh se me lembro. Saudosamente.
As glicínias enfeitavam a pérgula e coloriam as pedras da calçada no seu reflexo com o sol, as árvores cheiravam a arco-íris e a avenida transformava-se num jardim de aromas doces.
Eu ia buscar a minha bicicleta encarnada e andava em redor dos canteiros onde as flores desabrochavam a sorrir. Nas bermas do rio os namoros despertavam, eu sentava-me na ponte debruçada sobre as águas e, descalça, sentia o refrescar das manhãs pelo chapinhar dos patos. Depois, rebolava pelo relvado onde as plantas trepadeiras se beijavam.
Voltava para casa numa correria, dançava pelos quintais perfumados pela flor de laranjeira e subia às árvores a cantar. Apanhava laranjas e tangerinas, pulava pelos telhados e brincava com os gatos que passavam a vadiar.
Saltava à corda, jogava à macaca e, nos fins de tarde, ia para o sótão construir castelos de lego. À noitinha, inventava sonhos no cintilar das estrelas e escrevinhava pequenos contos de príncipes e princesas sob o roseiral a florir.
E lembro-me, lembro-me nostalgicamente. Da minha mãe me embalar no seu colo a cada luar, acariciar os meus cabelos e contar-me histórias de encantar para eu adormecer. Era tudo tão suave.
Em tempos de feira de Março, levava-me a andar de carrossel com as minhas irmãs e, juntas, comíamos algodão doce por entre as gentes que passeavam numa alegria contagiante. Lembro-me dos rostos, do brilho nos olhares e do rasgo dos sorrisos.
Lembro-me, oh se me lembro de, num dia primaveril, lhe dizer:
- Mãe, não quero crescer.
(Texto escrito para a Fábrica de Histórias)