Fantasma
Disseste que a vida nos fatigava a pele e matava as ilusões arrastadas pelos corpos entranhados no tumulto das mentes, encruzilhadas, e eu não percebi o significado dos sonhos que me detiveram para sempre. Perdi-me entre a vida e o destino, segui por uma estrada tenebrosa sem sinais e deixei tudo de mim pelo caminho. Esqueci-me que as quimeras já morreram e que o princípio é o fim de todas as coisas. Tornei-me na sombra dos meus passos que se embrulharam na demora, pelo chão que se me escapou na fúria de voltar a ser feliz.
Tarde demais. Havia imagens distorcidas nos espelhos que circundavam os lugares por onde vagueei, cheirava a morte das almas nas veredas. Tranquei-me em castelos assombrados, o pó e a cinza rodopiavam nos recantos, as escadarias iam tombando atrás de mim. Fiquei presa às torres ainda de pé, deixei-me embeber por um desmaio sufocante mas, ao longe, um rio de águas mansas inundou as brumas, chegou até mim devagarinho, ganhou um rosto indecifrável e disse-me bem baixinho, a ondular, que na penumbra das noites há magia. Foi um mistério que me permitiu transformar, ganhei asas púrpura de veludo e voei como um pássaro ferido até às cabanas abandonadas das florestas, aquelas das minhas histórias de encantar.
Afinal, não morri nas madrugadas. Ainda estou viva para os meus sonhos de criança. E tu, tu que me perseguiste nas palavras não eras mais do que o fantasma da minha inércia, abençoada pelos relógios que pararam.