Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. L.T.
Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. L.T.
Lembro-me das avenidas e das vielas. Tinham cor. Lembro-me das casas, das ladeiras e escadarias. Tinham harmonia. Lembro-me do paredão com gentes a passear, alegres e saltitantes. Lembro-me das conversas de esplanada, dos sorrisos e gargalhadas. Lembro-me da areia beijar os passeios, das árvores plantadas à beira estrada pedirem para crescer.
Lembro-me do cheiro a peixe fresco, dos pescadores e das varinas nas manhãs, das crianças brincarem à beira mar. Lembro-me da roupa estendida nos varões, das janelas abertas de par em par e das varandas soalheiras em fins de tarde.
Lembro-me da neblina esconder a igreja do largo e da chuva quente regar os pés descalços. Lembro-me das toalhas esvoaçarem com o vento norte, dos cabelos se emaranharem nos rostos bronzeados.
Lembro-me dos banhos de mar ao por de sol. Da nudez sem vergonhas, da espontaneidade e genuinidade de quem ficava para assistir ao cair da noite. Não havia saudade e ninguém chorava, as lágrimas caíam nos rostos de quem ria sem parar. Lembro-me do brilho no olhar pelas cumplicidades e das confidências que se liam nos gestos mudos. Lembro-me das mãos que se davam, dos abraços que se colhiam, da ausência das palavras e dos rasgos dos sorrisos. Eram orações perpétuas.
Lembro-me da animação dos jantares, da descontração à hora do café e da camaradagem plena pelas noites dentro. Lembro-me da música purple rain e de extasiar ao ouvi-la por entre a multidão a cantar.
Lembro-me do ruído do mar nas madrugadas, chorava a cantar até ao amanhecer. Eu adormecia no seu pranto sob o céu estrelado, à entrada de uma tenda ali tão perto.
O silêncio. Lembro-me do silêncio. E do movimento. Das danças no areal ao som de rumba flamenca, da maresia a salpicar-me os lábios e da frescura da areia no meu corpo. Lembro-me da lua abraçar as ondas e de tudo ficar azul.
Lembro-me dos brindes à amizade. Eram feitos em qualquer lugar, nas tascas, nas tendas, nas dunas. As dunas. Lembro-me de corrermos ao subi-las e de descê-las às cambalhotas vezes sem conta sem cansaço. Lembro-me da sensação de liberdade quase etérea que a brandura da areia fina nos deixava na pele. Lembro-me das aventuras, lembro-me de me esquecer do resto do mundo.
Lembro-me das fotografias que ficaram e que guardo docemente em álbuns de recordações. São tantos os lugares, tão intensos os momentos. Lembro-me de todos eles.
Lembro-me mas, porém, receio esquecer-me. Receio que as imagens se tornem baças e já não veja beleza nos dias. Que os veja empalidecer, que os sinta esvaziar. Tenho medo. Medo que tudo acabe. Os sorrisos, as gargalhadas, a suavidade dos passos na calçada, as danças na praia, as cores.
E eu me confesso à vida, como escrevi um dia. À vida, que passa apressada numa correria incessante:
'Ainda hoje me declaro a ti como se fosse morrer amanhã, confesso-me nestas folhas de papel que vou amarrotando a cada linha que encho de letras'.
Não quero amarrotar as folhas de papel. Quero ir em busca das letras, arrancar a narrativa de cada instante e viajar nas palavras.
Não consigo separar-me das memórias. Quero cantá-las a dançar na areia da praia onde fui feliz.
Asas Perdidas é o cantinho das minhas emoções transformado agora em livro, um sonho tornado realidade.
É um livro de poesia branca onde estão expressas divagações minhas. É um livro que fala, essencialmente, de amor.
Dedico este livro às mulheres da minha vida. Avó, mãe e irmãs. Sem o seu amor e apoio, não teria sido possível concretizar este sonho.
Quero agradecer do fundo do coração à querida Helena da Autores Editora a ajuda preciosa para a realização deste sonho. Sem ela, não teria conseguido alcançá-lo.
Por entre contactos frequentes para a edição do livro fomos criando, passo a passo, laços de afecto. Estou-lhe imensamente grata por tudo.
Um agradecimento muito especial a todos os amigos que acompanham o meu blog e me acarinham a cada dia.
Tenho de mencionar dois nomes que me deram uma força inigualável. A minha muito querida Ónix, irmã de sangue, de alma e coração e o meu muito querido amigo José que tem sido incansável nas palavras de apreço. Sem eles, não teria conseguido ir em busca deste sonho, ir à luta até ao fim.
A busca da felicidade é, para mim, feita de momentos. Podem ser até pequenos gestos mas que me fazem sentir feliz, mesmo que por instantes apenas.
Ter um amigo e ir ao seu encontro é ir em busca de um pedaço de vida em que sou feliz. Poder abraçá-lo, beijar-lhe o rosto, rir e sorrir com ele. A amizade quando genuína consegue transmitir-me uma felicidade extrema. Os meus sentidos fazem com que não me esqueça de quem foi ou é deveras importante, independentemente se foi só por um momento. É como receber mensagens com regularidade de quem gosto de verdade e ter a certeza de que sou correspondida. As expressões de quem as envia tornam-se doces como o mais saboroso dos chocolates. Há uma ternura que transparece e que me transmite uma espécie de serenidade absoluta.
Ir em busca da felicidade é ir ao encontro de quem gosta de mim, é haver tempo para conversas de café em noites frias e risos ao redor de uma mesa de amizade em noites quentes. É um sorriso. De mim para quem goste, para mim de quem amo.
Ir em busca da felicidade é esperar por alguém de quem sinto saudade, esperançada de que as palavras venham desenhadas no seu olhar. É o irromper de um enlace dos sentidos num silêncio de gestos declarados. É embalar num abraço apetecido e respirar ao sabor de uma carícia. É elevar-me na essência de uma dança suave.
Ir em busca da felicidade é recordar com carinho quem me faz sorrir, porque as sensações da alma deixam um significado tão intenso que tudo se torna como num sonho encantado.
Ir em busca da felicidade é ir a casa da minha mãe, sentar-me à mesa numa completa união familiar, ver os gatos a brincar, ouvir as cigarras a gritar e os grilos a cantar.
Ir em busca da felicidade é sonhar. É ser criança até sempre, porque é uma fantasia que renasce, é uma bola de sabão. Ir em busca da felicidade é cheirar o mar, respirá-lo, olhá-lo, sentir a paz que me consegue transmitir. É sentir os pés na areia fresca da manhã e à beira mar nos fins de tarde.
Ir em busca da felicidade é sentir-me livre para o que me vai na alma. É ouvir aquela música que chama por mim e conseguir esquecer que o mundo existe. É dançar, porque a dança existe em mim e faz-me voar.
Ir em busca da felicidade é escrever o que sinto, porque existem sonhos que se conquistam e se perdem e assim vou declarando a minha verdade. É continuar a escrever, porque a alma não fala e eu quero partilhar o meu sentir através de palavras até então silenciadas. Porque quero deixar escrito que quando estou aqui, comigo própria e convosco, esqueço o mundo lá fora. Porque quero manifestar o meu querer, a minha vontade, os sentimentos e momentos que guardei.
Ir em busca da felicidade é escrever no meu cantinho até sempre, porque é aqui que a minha alma voa através das palavras que dançam sem voz. É o abrir o baú dos meus sentidos por entre este silêncio mágico.
Mesmo que os momentos não se repitam, fica a lembrança da beleza que vivemos. E ao recordar esses instantes de sorriso aberto é, para mim, ir em busca da felicidade.
(Texto escrito para a Fábrica de Histórias, construído a partir de excertos de vários textos meus)