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O meu sótão é cor de rosa

Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista

O meu sótão é cor de rosa

Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. Leonor Teixeira, a Ametista

A Laura voltou

Encontrei a Laura na outra noite. Disse-me que voltou para ficar. Contou-me do sótão que encontrou para morar, com vistas fantásticas de todas as janelas e com um terraço enorme de onde vê o céu sem obstáculos. Disse-me que o jardim, uns degraus abaixo, parece um bosque encantado à noite e que, de manhã cedo, cheira a campo. 

Acho que a Laura encontrou o seu lugar, para se libertar de todos os fantasmas, e que ali sente paz.

Já não via a Laura há alguns anos e sabia que tinha partido para longe, no esquecimento de um amor que nunca chegou a acontecer. Pensei que nunca mais voltasse. Mas enganei-me. Regressou mais forte do que nunca e de sorriso aberto. Só senti a falta de um brilho no olhar. No entanto, a vida fez-lhe ver e acreditar de que há coisas mais importantes do que o amor a alguém. A paz, a tranquilidade, os cheiros das árvores e dos seres que envolvem os quintais, da água que sai da mangueira para regar a relva seca, do silêncio da noite e das estrelas. Afinal, tudo isso é amor, amor ao que realmente lhe importa. E assim se recuperam as asas perdidas de um pássaro que, há muito, deixou de voar.

A Laura disse-me que encontrou o campo na cidade, mas que ninguém sabe, ninguém conhece e que, às vezes, tem medo da solidão mas passa quando vê as igrejas iluminadas e o castelo pelas janelas. Disse-me, também, que em noites de lua cheia tudo se torna mágico.

A única saudade que tem é de fazer parte das histórias de encantar. Espero que volte a ser personagem dessas histórias.

Gostei tanto de ver a Laura. Que seja feliz, hoje e sempre.

por Leonor Teixeira, a Ametista

Pequena carta ao tempo

 

 

'Não posso ficar agarrada a uma lembrança fantasiosa. Simplesmente, não posso.

Fiquei presa a uma mentira alucinante e os ponteiros do relógio pararam no delírio. As horas converteram-se em minutos, os minutos em segundos e os segundos em vazio. Amei em silêncio e mergulhei numa dança solitária, voei junto às estrelas de um imaginário sem fronteiras.

Mas o destino desferiu-me um duro golpe, perdi os sapatos de pontas brancos e desfizeram-se as asas púrpura de veludo.

Agora, as lágrimas secaram e o coração partiu-se.

É tempo de recomeçar. Os dias não morreram e eu preciso, urgentemente, de viver.

 

Laura'

 

 

 

imagem retirada de: google imagens

por Leonor Teixeira, a Ametista

O sótão que era cor de rosa e o gato preto

Laura esperou dois mil e sessenta e cinco dias (aproximadamente) por alguém que, afinal, não conhecia.

Foi ao fundo do baú, guardado num canto da antiga sala de costura do velho sótão, agarrou na ametista, saiu de casa e lançou-a ao vento. Pensa que caiu ao rio e foi levada pelas tempestades. Duarte fora a maior (des)ilusão da sua vida e Laura não encontrara o lugar da felicidade.

Mudou de nome e pintou o sótão de cinzento. Pincelou as paredes, o tecto, as portas, os móveis antigos. Abriu a janela, viu o céu da mesma cor e não conseguiu voar. As asas tinham voltado a prender-se aos ramos da árvore que ensombrava o velho sótão, outrora cor de rosa.

Enquanto varria a poeira do passado que estremeceu a sua vida, encontrou um gato preto junto ao baú, que olhava para ela como quem pede carinho maternal. Pegou nele ao colo, passeou com ele, comprou-lhe uma alcofa, educou-o e fez dele sua companhia. Quem sabe não lhe daria sorte, em vez daquele azar tão temido pelos supersticiosos mais convictos?

O nome do gato? Ainda hoje não tem, não vá o destino pregar-lhe mais alguma partida. Afinal, tudo tem a ver com nomes. Laura chama-lhe, apenas, gato preto.

por Leonor Teixeira, a Ametista

Mudar de vida, viver com um sonho

 

Há sonhos que se lembram por breves instantes e há os que ficam para sempre.

Laura recorda-se de um sonho que teve, talvez o mais sombrio de todos os que traz na memória. Ou o mais desejado, porque consegue ser um pouco feliz ao revivê-lo.

Todas as manhãs, bem cedinho, um denso nevoeiro encobria os raios de sol que incidiam, pálidos, sobre uma floresta encantada que guardava uma pequena cabana desabitada, feita de ébano.

Por entre as folhas vermelhas e douradas caídas sob numerosos plátanos e faias que se beijavam Laura percorria os caminhos, os cantos e recantos daquele lugar sedutor. Descalça e envolta num manto branco, parava à porta da cabana e ouvia um choro de criança mas não conseguia entrar. Um corvo cantava por perto, deitava-se num suspiro, e um lobo uivava ao longe pelo dia que acabava de nascer. Tudo lhe parecia misterioso mas mágico.

Presas aos troncos mais robustos baloiçavam cartas de amor, imensas, umas dela outras de Duarte. Um dia, na alvorada, pegou em duas delas, tocou-as numa carícia e leu-as em voz alta a olhar para o céu por entre os ramos. Teve uma sensação etérea, algo surreal, do tão genuínas que eram as palavras que ficaram.

'Ainda hoje me declaro a ti como se fosse morrer amanhã, confesso-me nestas folhas de papel que vou amarrotando a cada linha que encho de letras. Tenho medo que não me oiças se tas disser, por isso escrevo na esperança de que me leias e talvez assim consigas sentir e perceber, finalmente, a razão do meu silêncio. Porque é assim que te amo. Em silêncio. Laura.'

'E é assim que eu te sonho. A passeares pela floresta, descalça e vestida de branco, a correr até à única toca que nos sorri e eu a encolher-me no teu colo para nos escondermos naquele sítio tão pequeno e secreto, tão nosso e demasiado longe da vida real. Sei que ficarás para sempre nesse bosque e é assim que te lembro. Duarte.'

Laura queria permanecer entre a verdade e a mentira, a saudade e a ausência dos momentos como uma boneca de cera, sem alma nem coração. Queria deixar-se estar, inerte, envolta em folhas de papel onde as palavras não cabiam, entre canetas e lápis que não escreviam. Com livros, muitos livros em branco e cartas de amor vazias que se espalhavam pela floresta encantada, onde o sol desmaiava nas manhãs e o nevoeiro angustiava o cair das noites.

Sentiu-se despertar debaixo de um abeto branco, o único no meio do extenso arvoredo. A seus pés, uma lamparina dourada brilhava, começava a ganhar vida e transformou-se. Um feiticeiro surgiu, com rosto de lobo e asas de corvo, sorriu-lhe e disse: 'A minha filha nasceu ontem e eu dei-lhe o teu nome'.

 

Laura não voltou a vê-lo.

 

 

(Texto escrito para a Fábrica de Histórias)

por Leonor Teixeira, a Ametista

Certezas e Incertezas

 

Laura carregava em si todas as incertezas, trazia consigo tudo o que não sabia. Só o mar lhe dava respostas a todas as perguntas, conseguia saber o porquê na imensidão do azul das águas revoltas, o porquê de todos os nãos que lhe rasgavam as entranhas como punhais.

Debaixo do sol vermelho libertava-se das armadilhas do destino, nas areias brancas era-lhe devolvida a liberdade. Pelas pradarias coloridas sarava as feridas abertas pelos espinhos dos atalhos obscuros que lhe ardiam na pele, nos montes e vales encontrava a saída do labirinto que a aprisionava, onde se perdia e se esquecia de quem era.

Duarte, por sua vez, tinha todas as certezas do mundo. Sabia os quês de todos os porquês, não tinha dúvidas nem receios. Não precisava dos oceanos nem dos campos, via tudo através das cidades por entre as estações das chuvas. Era racional, mas não tinha liberdade. Não se perdia na identidade, mas escondia-se em alguém que não havia.

 

 

por Leonor Teixeira, a Ametista

O vazio dos lugares

 

Querido Duarte,

 

O meu amor adormecido despertou, o seu sono inquietou-se, o meu coração afligiu-se ao escutar, à distância, a melodia agridoce da tua voz.

Ausência, senti, uma vez mais como tantas outras nestes últimos quatro anos. Já não sei quem és, pensei, e perguntei-me que foi feito de ti porque não te reconheço. Eu, que esperei por ti todas as horas dos meus dias como se em algum momento fosses voltar. Procurei-te em todos os lugares, imaginei encontrar-te por aí, vi-te surgir nos atalhos.

Sabes? Era a minha ilusão de ver-te chegar a cada instante que me fazia acreditar que irias regressar. Mas tu não estavas. Nem aqui, nem ali, nem perto nem longe, nem em lado nenhum. Simplesmente não estavas.

Eu quis crer que era engano este meu sentimento tão imenso, quase inimaginável, cheguei a acreditar que era mentira este desejo imensurável de querer-te a meu lado, de poder respirar-te, de viver-te. Mas era verdade, era real, tão real que sentia a alma rasgar a cada pensamento de ti. E definitivamente tu não estavas, nunca estiveste. Silêncio, apenas silêncio. Perdi-te no silêncio do (re)encontro; (des)encontro.

Vêm-me à memória lembranças de nós, abraços sentidos e palavras de amor, gestos que não voltaram a repetir-se, jamais se repetirão.

...punhas as mãos na minha cintura, enrolavas-me no teu peito e dizias 'gosto de ti'. Eras tão bonito...

Fui lendo as histórias que retirei do baú de recordações, minhas e tuas, que guardei no tempo que foi nosso. Li e reli, inventei e imaginei, construí e revivi. Foram castelos de sonho que criei, desenhei-os na areia da minha praia mas levou-os o mar, o meu mar azul, em noites de tempestade. Amo-te, dizia baixinho a cada adormecer como se estivesses sempre a meu lado.

Hoje voltei a sentir o pulsar frenético do músculo que me permite respirar, foi intenso o seu disparo que abalou o seu compasso. Tarde, demasiado tarde. Vão, tudo em vão. As horas, os dias, os meses, os anos. A espera.

Quis devorar o mundo, a terra e os céus. Quis aniquilar este amor, esta paixão (sei lá) e renascer das cinzas. Deixei de saber quem sou e onde pertenço, perdi-me na turbulência dos sentidos e fugi de ti, de todos e de mim.

O sonho ruiu, o meu, de mim, de ti, de nós. Desmoronou-se, como um castelo de areia que se desfaz na maré vaza. E eu, em que me transformei? Em sombra, apenas em sombra.

 

Ficou vazio o teu lugar. E o meu.

 

Laura

 

 

por Leonor Teixeira, a Ametista

Post-Scriptum

...

 

Mais ninguém conseguirá preencher o lugar que te pertence. Adoro-te a ti.
Tua até sempre.

 

Laura

 

P.S. Fechei, há algumas horas, o envelope onde ficou guardada esta carta que escrevi em Dezembro de há dois anos. Quis pô-la na caixa de correio mas evitei, talvez porque te reencontrei ontem e senti que não são apenas aquelas as palavras que queria deixar-te. Algo me deteve porque há mais, muito mais, e é tanto o que quero dizer-te que a caneta treme na minha mão, por entre os dedos que nunca ousaram tocar-te diante das multidões.

Queria escrever-te mais uma carta, uma outra que não esta, mas prefiro acrescentar em post-scriptum o que o meu coração dita e como dança a minha alma mas, desta vez, sem falar de corações destroçados, de sentimentos desencontrados. Queria escrever-te uma carta, sim, mas diferente, construída de palavras doces e coloridas, sem mágoas nem lágrimas.

Não quero contos sobre confissões do que senti por ti, dos gritos silenciosos de um amor que durou demasiado tempo, tanto que não sei quanto. Não quero histórias que ficaram entre o partir e o ficar, sem princípio, meio e fim.

Sabes? Gostaria de falar-te de outras coisas. De sonhos, de desejos, de fantasias que foram preenchendo as horas dos meus dias.

Gostaria de falar-te da beleza que ficou por descobrir, dos passeios que ficaram por concretizar, do tanto que tivemos por inventar, das coisas mais simples da vida que deixámos por partilhar.

Queria dizer-te, até, que poderíamos ter alcançado o inatingível. Sabes que através dos sonhos tudo se torna possível? O nosso imaginário consegue chegar até onde a nossa alma nos levar. E tudo se torna tão bonito.

Posso contar-te que, juntos, já caminhámos à beira mar numa praia deserta, contemplámos o por de sol num fim de tarde de verão sentados na areia. Mergulhámos, lado a lado, numa onda branca e conseguimos tocar os mais belos corais no fundo do mar. Depois de admirarmos um mundo de mil cores onde conseguimos absorver o irrespirável, nadámos encostados um ao outro até à superfície dos oceanos. Para lá das águas cristalinas, sentimos o sol de um dia acabado de nascer que encheu de luz o nosso o rosto.

Lembras-te da nossa dança na praia? Aquela que ficou por inventar? Conseguimos ondular os nossos corpos e enlaçámo-nos numa agitação lenta dos sentidos. Em redor de nós, a melodia do mar cruzou-se com o cântico das gaivotas e, antes de partirmos, desenhámos o nosso nome na areia. Sabes? Ainda sinto o sabor a sal que ficou na nossa pele.

Juntos, percorremos estradas limpas e frescas, caminhámos de mãos dadas devagar por entre montes e vales, subimos colinas, saltámos nas pradarias. No final, descansámos abraçados debaixo de uma árvore no bosque secreto que guardou os nossos beijos. Consegues sentir o aroma das flores campestres? Tenho uma guardada nas páginas do livro que escrevi para ti.

Gostaria de falar-te do quanto acreditei que tudo poderia ser possível. Da esperança de ver-te chegar com uma rosa vermelha na mão e um brilho no olhar. Dos teus braços abertos para me levarem até ao mais alto dos rochedos e, de lá, admirar contigo a mais sublime das paisagens. Das semanas a viver-te por completo, dos meses de partilha, dos anos a teu lado com sorrisos.

Queria pegar nas palavras que te escrevi e declamar-tas num poema eterno. Queria recitar-te, num cenário de neve a cair numa noite de Dezembro, o que a minha alma viveu por nós.

Gostaria finalmente de confessar-te neste meu post-scriptum que, ao reencontrar-te, senti confiança. Era isso que queria dizer-te, mas perdi-me na fantasia das palavras e deixei-me levar pelo sonho.

Fica a última parte, a essencial e que pretendo fazer chegar até ti num manifesto impetuoso, pela injustiça angustiante do que nos foi destinado. É a declaração da coragem que sinto emergir do mais fundo do meu ser e me rasga as entranhas. Coragem para gastar a minha voz num grito e exclamar, de coração aberto, que renasceu a minha capacidade de lutar. Lutar, mas desta vez, por mim. Porque agora, mais do que nunca, quero recuperar a minha liberdade. A de ser feliz.

 

Concedes-me esse direito?

 

Laura

 

 

(Texto escrito em 9 de Dezembro de 2009, agora alterado e adaptado para a Fábrica de Histórias)

por Leonor Teixeira, a Ametista

Desvarios de Verão

Ele surgiu despido de ausências, vestido de promessas, transbordando desejos incompletos. Veio, envolto em palavras por dizer, a sua pele cheirava a sal, partículas de areia cintilavam no seu corpo ardente como raios de um sol que nunca existira. Deixava transparecer a fantasia das mensagens guardadas para lá dos sonhos, onde tudo era surreal.

Naufragou no repouso absoluto do peito dela, ávido do seu encosto, beberam-se para lá de um crepúsculo estonteante, onde tudo se transforma e nada morre.

Foram para lá das marés, onde a terra cheira a chuva acabada de cair e nas estrelas está escrita a palavra amar. Os seus nomes ficaram gravados na lua que os acolheu, num céu onde o sono não mora e a tristeza é palavra proibida.

Risos e gargalhadas envolveram os momentos que agarraram com medo de que acabassem, mas o tempo parou no instante de um beijo demorado, talvez eterno, as horas deixaram de existir e a terra não voltou a girar.

- Queres voar comigo? Voar para lá do vento, entre o sonho e o que ficou por inventar? Queres descobrir comigo as cores do arco íris e pintar as nossas vidas de aguarela? - perguntou Duarte em palavras repetidas, proferidas por Laura num tempo distante.

Entregaram-se à mais tórrida das paixões, um misto de rubro e púrpura pintou o céu que encobria os dois corpos transpirados de saudade. Ao unirem-se no mais belo cenário de entrega, Duarte transformou-se em pássaro, Laura em sereia, respiraram-se por entre voos e mergulhos num cântico de uma beleza majestosa.

Um manto branco feito de cetim e madrepérola caiu de uma nuvem, cobriu o mar e amparou as ondas agitadas. Deitaram-se sobre ele, deixaram-se levar ao sabor da maresia, conseguiam escutar o bater frenético dos seus corações. Era urgente viverem-se por completo, era urgente amar perdidamente sem qualquer condição.

- Preciso de ti, deixa-me respirar-te, és a minha poesia... - Duarte fechou os olhos, quis adormecer naquele sonho, instante irrepetível do destino, permanecer pássaro até sempre. Quis agarrar aquele feitiço com a força que trazia bem presa às entranhas, aconchegar-se no colo da sereia que encontrara, construir um ninho.

Laura, porém, continha em si fragmentos de uma ilusão passada, pedaços de uma espera inacabada. Não conseguiu aninhá-lo, ondulou para lá dos oceanos, esqueceu-se que tinha coração, encontrou-se ao renascer sem alma numa aldeia de corais e não regressou.

Duarte chorou ao abandono num gemido ininterrupto, o seu lamento estremeceu as nuvens, as estrelas caíram, o sol colidiu com a lua, o céu desabou e o mar invadiu a terra.

Quebrou-se o feitiço. Um pássaro não chora a perda de uma sereia, não aquela que outrora fora ora menina inocente ora mulher sem rumo, que esperou por ele uma vida inteira sem sentido e que acabava, agora, de partir.

As quatro estações deixaram de existir. Ficou apenas a sombra de um último Verão, perdido no tempo, onde o amor e a paixão se juntaram na mais sublime das paisagens, para se perderem de seguida e fazerem desvairar o mundo.

Não ficou ninguém para contar, apenas um corvo esvoaçou durante séculos sobre o que restou da terra, rindo até à eternidade através do seu canto negro, quase poético.

 

 

(Texto fictício escrito para a Fábrica de Histórias)

por Leonor Teixeira, a Ametista

Palavras para uma imagem - Espelho

 

Por onde andas, Duarte? Deixei de te ver, já não lembro o teu rosto, não reconheço o teu cheiro, desconheço quem és. Apenas recordo a tua voz.

Deixaste-me aqui, do lado de cá do espelho da vida, sozinha num mundo que já não me pertence, sem cor, sem brilho. Porque partiste? Pedi-te para ficares e tu insististe em ir e não voltar. Como irei continuar sem ti? A dor é demasiado grande, recuso-me a viver assim.

Deixas-me ir para junto de ti? Há um lugar a teu lado guardado para mim, não há? Eu sei que esse lugar existe, sinto que é meu, necessito urgentemente de alcançá-lo. Dá-me um sinal. Preciso de ti, mesmo que longe da vida que me foi oferecida e que agora renego.

Sabes? Esperei-te durante largos anos, sonhei-te como nunca imaginei ser possível, vivi-te como ninguém. Depois de conquistar-te a vida levou-te de mim, arrancou-me de ti, quebrou o que construí de nós.

Para lá do espelho há flores, amor da minha vida? Imagino um lugar sereno, um campo verde onde anjos flutuam de branco. Seremos nós? Acredito que sim. Não vivemos a mais bela história de amor? Não foi a nossa alma rasgada por um amor impossível que sobreviveu a um mundo hostil e que conseguimos ultrapassar em segredo? Em segredo, verdade. Lembras-te? Talvez por isso o destino não nos tenha proporcionado a libertação da nossa paixão.

Não respondes. Continuas aí, em silêncio, frente a um espelho prestes a quebrar, um espelho inventado para nós e que tem sido uma barreira que teimou em ficar. Vejo-te do lado de lá, de costas viradas para ti próprio, longe de mim, perto de um mundo que não conheço. E eu continuo a amar-te, impossível substituir-te. Ainda espero por ti, aguardo a cada minuto dos meus dias que tu surjas, vindo do outro lado do espelho, de braços abertos.

Tenho de confessar-te. Sinto necessidade de fazê-lo. Gritar ao mundo que foste a razão do livro que escrevi, das telas que pintei, das músicas que dancei, do lugar onde fiquei. E senti-te perto, tão perto, mas perdi-te na altura em que acreditei que a nossa história  poderia ser eterna. Acabei por encerrar a minha vida como se fosse uma folha de um diário e não virei a página.

O meu amor por ti está declarado no livro que escrevi para ti e tu não leste. Está aí, junto ao espelho que ergueste, entre quem és e quem gostarias de ter sido.

 

Tua até sempre.

 

Laura


 

(Texto fictício escrito para a Fábrica de Histórias)

por Leonor Teixeira, a Ametista

Pedido sem sentido

 

Querido Duarte,

 

Ontem, pediste-me para ficar. Mas eu saí apressada, na minha condição de não voltar. Caminhei sem rumo, perdi-me nas horas. Sentei-me junto ao rio que passa no jardim onde deixei guardados pedaços da minha felicidade. Lá, bem perto do céu, senti a luz do sol afagar-me o rosto ao mesmo tempo que a chuva caía sem cessar sobre o meu corpo. O vento insistiu em trazer consigo as palavras que disseste antes de partir. Gosto de ti, sussurraste. Mas eu saí sem olhar para trás. Esqueci o beijo que não demos, aquele que me pediste baixinho mas que não conseguiste roubar-me. Lembras-te?

'Não me afastes assim da tua vida'.

Sabes? As palavras também nascem, crescem, vivem e morrem.

E a chuva e o vento persistem em ficar.

 

Laura

 

por Leonor Teixeira, a Ametista

por: Leonor T, a Ametista

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