Eu e as palavras
Estou aqui, sentada frente a um écran que outrora não fazia parte da minha vida e onde agora ficam expressas as minhas divagações, para quem as quiser ler. Lembro-me que escrevia em folhas de papel timbrado ou nas sebentas da escola, umas vezes com lápis outras com esferográfica. Podia ser azul, preta ou encarnada, o importante era que escrevesse e assim nasciam as letras e eu escrevia, escrevia sem parar, o meu pensamento flutuava em cada lugar que estivesse, tudo eram palavras que irrompiam e iam ficando desenhadas em rascunhos.
Ainda hoje guardo todas as folhas em que deixei escritos devaneios e desabafos, estão hoje amarelecidas como as antiguidades que se guardam num sótão qualquer, amarelecidas como o tempo vai deixando as nossas vidas.
Acendo um cigarro, eu não queria fumar aqui mas o frio está cortante na minha varanda com vista sobre a cidade e dentro de casa há um aconchego que me prende, mesmo que amarelecidas fiquem as paredes deste recanto onde a música não pára de tocar e o relógio de parede se repete no seu compasso apressado.
Longe vai o tempo em que escrevia até amanhecer, adormecia quando a vida começava lá fora e a agitação das ruas era a minha tranquilidade. Refugiava-me no conforto dos lençóis e ia acordando, ora com a chuva a cair nas pedras da calçada ora com raios de um sol caloroso, enquanto as palavras surgiam subitamente no meu pensamento e me levantava para deixá-las escritas, não fosse eu esquecê-las durante o sono, sentir a minha imaginação em branco ao acordar.
Fui deixando escritos, ao longo dos tempos, sentimentos de alma, esboços de uma vida, aqueles que se choram e deixam saudade. Histórias, memórias, momentos, sonhos que foram ficando guardados, uns na gaveta envoltos num laço de cordel outros nas páginas do meu Danças em Silêncio, espero que para sempre.
Cúmplices. Eu e as palavras.