Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. L.T.
Às vezes, de noite, subo ao telhado do sótão, sento-me a ver as luzes da cidade e o frenesim do fim dos dias e penso que gostava de ficar ali para sempre. O meu sótão é cor de rosa. L.T.
Se eu pudesse parar o tempo pararia num dia primaveril soalheiro, onde os sorrisos de família entravam pelo alpendre com o chilrear dos pássaros nas manhãs e o cheiro a flor de laranjeira.
Se eu pudesse voltar atrás, bem lá longe nos anos, voltaria num fim de tarde de Verão para buscar as alegrias de criança na roupa suja acabada de brincar.
Se eu pudesse, ai se eu pudesse voltaria aos dias de teatro nos quintais, às partidas no sótão cor de rosa e às escondidas no olival para lá dos canteiros.
'Não posso ficar agarrada a uma lembrança fantasiosa. Simplesmente, não posso.
Fiquei presa a uma mentira alucinante e os ponteiros do relógio pararam no delírio. As horas converteram-se em minutos, os minutos em segundos e os segundos em vazio. Amei em silêncio e mergulhei numa dança solitária, voei junto às estrelas de um imaginário sem fronteiras.
Mas o destino desferiu-me um duro golpe, perdi os sapatos de pontas brancos e desfizeram-se as asas púrpura de veludo.
Agora, as lágrimas secaram e o coração partiu-se.
É tempo de recomeçar. Os dias não morreram e eu preciso, urgentemente, de viver.
Gosto de ouvir o tic tac do relógio de parede no silêncio dos fins de tarde. Gosto de olhar para os ponteiros e pensar que estou junto à torre Eiffel, de mãos dadas com um anjo.
Gosto da luz fosca do candeeiro de rua que entra suavemente, por entre cortinados de cetim, num quarto de hotel em Paris.
Gosto de ouvir a chuva bater nas pedras da calçada, de vê-la brilhar no asfalto, senti-la a cair-me no rosto. Gosto da neve que não vejo mas imagino, de tê-la nas minhas mãos e patinar numa pista de gelo.
Gosto. Gosto das coisas simples, muito mais do que gosto de ti, tanto que já não sei se te lembro, apenas sei que não te lembro como dantes.
Gosto de não saber se te lembro, mas gosto ainda mais de saber que em parte te esqueci.
Gosto de ver os ponteiros do relógio a andarem, significa que a vida não morreu. Mas gosto de inventar que param num qualquer instante, sempre que o sol ou a lua entram no quarto onde durmo, seja em que lugar do mundo for.
Gosto de saber que te lembro pouco, muito pouco e pergunto-me se ainda sei do teu sorriso, porque do teu olhar apenas sei a cor.
Gosto do som do suspiro, aquele que vem do alívio de saber que já não estás no despertar que descubro e no adormecer que fantasio.